Leitores do século XIX
José de Alencar foi um dos mais importantes escritores brasileiros do século XIX. No texto apresentado a seguir, ele narra um episódio de sua infância.
(Uma noite em família)
Não havendo visitas de cerimônia, sentava-se minha boa mãe e sua irmã Dona Florinda com os amigos que apareciam, ao redor de uma mesa redonda de jacarandá, no centro da qual havia um candeeiro.
Minha mãe e minha tia se ocupavam com os trabalhos de costura, e as amigas para não ficarem ociosas as ajudavam. Dados os primeiros momentos à conversação, passava-se à leitura e era eu chamado ao lugar de honra.
Muita vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a contragosto de um sono começado ou de um folguedo querido; já naquela idade a reputação é um fardo e bem pesado.
Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual desfazia-se em recriminações contra algum mau personagem ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói perseguido.
Uma noite, daquelas em que eu estava mais possuído do livro, lia com expressão uma das páginas mais comoventes da nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça baixa, levavam o lenço ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os soluções que rompiam-lhes o seio.
Com a voz afogada pela comoção e a vista empanada pelas lágrimas, eu também, cerrando ao peito o livro aberto, disparei em pranto, e respondia com palavras de consolo às lamentações de minha mãe e suas amigas.
Nesse instante assomava à porta um parente nosso, o Reverendo P. Carlos Peixoto de Alencar, já assustado com o choro que ouvira ao entrar. Vendo-nos a todos naquele estado de aflição, ainda mais perturbou-se:
- Que aconteceu? Alguma desgraça? perguntou arrebatamente.
As senhoras, escondendo o rosto no lenço para ocultar do P. Carlos o pranto, e evitar os seus remoques, não proferiram palavra. Tomei eu a mim responder:
- Foi o pai de Amanda que morreu! disse mostrando-lhe o livro aberto:
Compreendeu o P. Carlos e soltou uma gargalhada, como ele as sabia dar, verdadeira gargalhada homérica, que mais parecia uma salva de sinos a repicarem do que um riso humano.
“Como e por que sou romancista”, in Ficcção completa e outros escritos.
Como você deve ter percebido, o texto acima nos mostra que o romance romântico era um importante meio de diversão e cultura na época da infância de José de Alencar. Ele, depois, veio a se tornar o mais importante autor romântico do Brasil. Vamos acompanhar, a seguir, como surgiu essa moda no século XIX, e como ele se desenvolveu.
Surge o público leitor
O romance, que até antes do Romantismo não fazia parte da cultura brasileira, só começou a se desenvolver após a vinda da Corte para a cidade do Rio de Janeiro.
Com a urbanização da cidade, surgiu uma sociedade consumidora, formada por estudantes, profissionais liberais etc., que necessitava de alguma espécie de entretenimento. A princípio a importação e a tradução de romances europeus satisfaziam esse público.
Os folhetins
Os primeiros romances foram publicados em folhetins, seções publicadas nos jornais, que traziam capítulos de histórias de ficção com um desenrolar muito lento. Isso se dava porque, ao final de cada capítulo, o leitor ficava ansioso para saber a continuação da história.
Ao escrever um folhetim, o artista submetia-se às exigências do público leitor e dos diretores de jornais. O francês Eugène Sue chegou a ressuscitar um personagem porque os leitores não haviam se conformado com sua morte. Ou seja, o que determinava o desenvolvimento e o desfecho de uma narrativa era o gosto popular.
Literatura importada
A maior parte dos folhetins eram traduções de romances de origem inglesa, como as histórias medievais de Walter Scott, ou francesa, como as aventuras dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Emocionados, os brasileiros acompanhavam as distantes aventuras de um Ivanhoé ou de um D’Artagnan, transportando-se, em espírito, para os campos e reinos da Europa.
A cor local
No entanto, o processo de independência do país gerou, nesse leitor, uma espécie de espírito nacionalista, que exigia uma tonalidade tipicamente nacional para os enredos dos romances. Para atender essa necessidade os romances passaram a descrever os costumes da vida urbana e rural e contou histórias de heróis indígenas.
O público interessava-se, portanto, cada vez mais por um romance de aventuras românticas que apresentasse o cenário brasileiro. O grande sucesso de público de O Guarani (1857), de José de Alencar, em que as aventuras de Peri e sua amada Cecília se desenrolam em meio à exuberante natureza fluminense, estimula os escritores a se voltarem para a apresentação da ambientação tipicamente nacional em suas obras.
Diversão e Arte
O romance, nesse período, foi o gênero literário mais consumido pelo público. Eles tornaram-se verdadeiros sinônimos de diversão, pois permitiam ao leitor identificar-se com os personagens e viver uma realidade que a vida lhe negava. Dessa forma, o leitor tinha uma espécie de "compensação" das insatisfações e frustrações que a vida lhe causava.
A fórmula do sucesso
A fórmula para tanto sucesso talvez esteja na estrutura dos romances. A maioria das histórias girava em torno do amor, uma vez que o amor é considerado pela maioria das pessoas o maior sentido para a existência humana. Os personagens viviam em um mundo maniqueísta, ou seja, o bem só existe se estiver em confronto com o mal. Por isso, os personagens que amam são sempre belos, generosos e corajosos. Já os que não tem a capacidade de amar são feios e mesquinhos.
Novelas nasceram dos folhetins
As novelas de televisão de hoje possuem o mesmo esquema dos romances publicados em folhetim. Muitos truques narrativos usados naquela época para “segurar” o público leitor são utilizados hoje pelos autores de novelas de tv, como o suspense, o amor entre ricos e pobres, personagens misteriosos que complicam o enredo, traições, arrependimentos, acordos secretos e confissões proibidas.
O herói romântico
Os protagonistas dos romances geralmente amam e sofrem muito para poder superar todas as dificuldades que lhe são impostas para concretizar esse amor. Por isso, o herói do romance é sempre dotado de qualidades fantásticas. Nessa época havia uma super valorização da família que é percebida na clara defesa do casamento.
Personagens planas
As personagens dos romances românticos geralmente são planas, ou seja, possuem qualidades únicas que não se alteram com o enredo. O caráter e os valores morais dividem as personagens em mocinhos e bandidos, numa atitude maniqueísta. Os bons serão sempre bons e os maus, sempre maus. Costuma-se dizer ironicamente que tais personagens têm a profundidade de um pires.
Os valores da família
O ato sexual só poderia acontecer depois que o casamento estivesse sacramentado e até mesmo os heróis mais rebeldes tinham o objetivo de se casar e constituir família. Por isso, o romance termina sempre quando os personagens centrais se casam.
O primeiro romance brasileiro
O primeiro romance nacional foi "O Filho do Pescador", escrito por Teixeira e Souza em 1843. No entanto, a obra, não agradou ao público nem à crítica. Para a maioria dos críticos, não serve para definir as linhas que o romance nacional seguiria. Por isso, e pela aceitação que teve junto ao público leitor, cabe à obra "A Moreninha", do médico Joaquim Manuel de Macedo, lançada em 1844, a honra de ser o primeiro romance romântico oficial da literatura nacional.
Classificação dos romances
De acordo com a temática que abordam e os costumes que retratam, os romances românticos da literatura brasileira são agrupados em romances urbanos, indianistas, regionalistas e históricos.
Romance urbano
O romance urbano desenvolve temas ligados à vida social, principalmente da cidade do Rio de Janeiro. Retrata a burguesia da cidade e seus costumes, com histórias recheadas de amores platônicos e puros. São exemplos de obras deste tipo A Moreninha e O moço Loiro, de Joaquim Manuel de Macedo, Senhora e Lucíola, de José de Alencar, e Memórias de um sargento de milícias, de Antônio Manuel de Almeida.
Romance indianista
O romance indianista encontra na figura do índio brasileiro o herói romântico. Substituindo o cavaleiro medieval dos romances europeus, o índio é estilizado e, apesar de aparecer eu seu ambiente natural, com seus costumes, ele é filtrado pela ótica do escritor romântico.
José de Alencar é o autor que melhor tratamento deu a esse personagem nas obras Ubirajara, Iracema e O Guarani.
Romance regionalista
O romance regionalista mergulha no interior do país para buscar na figura do sertanejo o personagem principal. Na insistência nacionalista de buscar as raízes de nossa cultura, a figura do sertanejo, com suas crenças e tradições, fez-se tão exótica quanto à do índio. Obras desse gênero são O sertanejo, O gaúcho e O tronco do ipê, de José de Alencar, Inocência, de Visconde de Taunay, A escrava Isaura e O seminarista, de Bernardo Guimarães, e O cabeleira, de Franklin Távora.
Romance histórico
O romance histórico, através do qual os romancistas brasileiros buscaram em nossa história temas que alimentassem os anseios românticos, veio a acentuar ainda mais o nacionalismo exaltado que respirava a pátria desde a independência. Obras como As minas de prata e A Guerra dos Mascates, de José de Alencar, Lendas e romances e Histórias e tradições de Minas Gerais, de Bernardo Guimarães são exemplos.