A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 : O MARCO DO
MODERNISMO
A ideia de realizar uma semana de arte partiu do pintor Di Cavalcanti.
Inicialmente, o objetivo era modesto: uma pequena exposição de arte moderna na
livraria e editora O Livro, em São
Paulo. Nessa livraria, os modernistas costumavam reunir-se para
palestras, declamações e mostras de trabalho.
Por intermédio do escritor Graça Aranha, Di Cavalcanti conhece Paulo
Prado, um homem culto, rico, de formação européia e bom gosto artístico. Este
se anima com a ideia e resolve ajudar. A adesão de pessoas de destaque da alta
sociedade paulistana que resolveram prestigiar o evento aumenta ainda mais o
interesse da imprensa em divulgá-lo.
Escolhe-se,
então, um novo local para a realização da semana: o majestoso Teatro Municipal
de São Paulo, que tinha sido inaugurado em 1912 e era o reduto artístico da
aristocracia da cidade.
Depois
de grande publicidade na imprensa, começaram a realizar-se os espetáculos,
programados para os dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. No saguão do teatro, é instalada ma exposição de artes
plásticas que inclui trabalhos dos artistas Vítor Brecheret, Anita Malfati, Di
Cavalcanti, Vicente Rego Monteiro, entre outros.
Capa do Catálogo da Semana, por Di Cavalcanti
As noites polêmicas
No
dia 13, Graça Aranha abre a Semana com a palestra “Emoção estética na obra de
arte”, propondo a renovação das artes e
das letras. Vários textos modernistas são declamados em seguida. Depois,
apresenta-se uma composição musical de Villa-Lobos e uma conferência de Ronald
de Carvalho sobre a pintura e a escultura modernas no Brasil. O programa s
encerra com a execução de algumas peças musicais.
No
dia 15, a programação provocou muita polêmica e agitação. Abre a noite o
escritor Menotti del Picchia, com a palestra “Arte moderna”. Suas enfáticas
reivindicações de liberdade e renovação provocaram apartes e vaias. Alguns
jovens escritores também são apresentados e declamam versos modernos, a que se
segue ruidosa manifestação de desagrado dos espectadores, com gritos, vaias e
ofensas. O pianista Guiomar Novaes fecha a primeira parte da programação e sua
música acalma um pouco o ambiente. No intervalo, perante um público espantado
com as obras expostas no saguão, Mário de Andrade faz uma rápida palestra sobre
arte moderna, na escadaria do teatro. Mas quase não é ouvido, pois as pessoas
começaram a vaiá-lo e a caçoar das obras, o que gerou um grande tumulto. A
segunda parte do programa, mais tranqüila, constou de execução de peças
musicais.
“No
dia 15, o poema ‘Os sapos’, de Manuel Bandeira, que ridicularizava o
Parnasianismo, foi declamado por Ronald de Carvalho sob os apupos, os assobios,
a gritaria de ‘foi não foi’ da maioria do público. Agenor Barbosa obteve
aplausos com o poema ‘Os pássaros de aço’, sobre o avião, mas Sérgio Milliet
falou sob o acompanhamento de relinchos e miados.” (Mário da Silva Brito)
A
Semana foi encerrada no dia 17 com o espetáculo de Villa-Lobos, que causou um
certo alvoroço porque a platéia achou que fosse provocação “futurista” o
compositor e maestro apresentar-se de casaca e chinelos... Mas o motivo dessa
estranha combinação era muito simples: Villa-Lobos estava sofrendo com um calo
e não tinha condições de usar sapatos...
Cartaz de Divulgação da Semana
Saldo positivo
Pode-se
dizer que, apesar das críticas e obstáculos, a Semana de Arte Moderna de 1922
conseguiu atingir seu objetivo: divulgar que existia uma nova geração de
artistas, escritores e intelectuais lutando pela renovação da arte brasileira e
pela atualização da nossa cultura.
Mas a Semana de 22 representa apenas um dos
momentos da história do Modernismo, que, na verdade, já se iniciara antes e
prosseguiria depois em várias direções, consolidando-se como o movimento
cultural mais fecundo de nossa história. É um movimento tão rico que não
poderia te, como realmente não teve, um “programa” rígido de idéias, uma
“cartilha” a ser fielmente seguida pelos participantes.
Desejo de atualização
As
figuras que se destacam no anos polêmicos que antecederam a realização da
Semana de 22, como Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Mário de Andrade,
divergiam profundamente quanto às características da renovação pretendida,
conforme provam suas obras e a evolução posterior de cada um. O mesmo ocorreu
em outras artes, como pintura, escultura e música. O que animou os jovens a
unir-se em certo momento foi a consciência da necessidade de lutar contra
obstáculos comuns: o espírito conservador e passadista, o obscurantismo e o
provincianismo cultural na época.
O
desejo de atualizar a nossa arte, de coloca-la em dia com o que se estava
fazendo na Europa, sobretudo na França, foi o que congregou os jovens
modernistas e deu ao movimento matizes internacionais, recebendo, por parte dos
mais conservadores, a pecha de "moda" importada. Pela primeira vez em nossa história cultural,
houve uma sintonia imediata com os centros de vanguarda e isso incomodou dos
"donos" da arte brasileira.
Influência estrangeira
A
influência estrangeira no movimento é visível e não há por que nega-la, mas se
distingue das outras influências que ocorreram no Brasil, principalmente por
ter provocado um processo de atualização que despertou o interesse pela
pesquisa de uma "linguagem artística brasileira" adequada aos tempos
modernos, tanto na literatura como nas outras artes. Esse esforço de renovação
foi simultâneo à busca de nossas raízes culturais, gerando, anos depois, uma
preocupação nacionalista que se firmou como um dos objetivos da nova geração,
chegando mesmo a ultrapassar os limites da arte para desdobrar-se na ação
política.
"Paulicéia
desvairada"
O desejo eclodiu inicialmente em São Paulo,
porque ali a industrialização avançava a passos largos. Tanto econômica quanto
tecnicamente, São Paulo estava mais sintonizada com o resto do mundo do que as
outras cidades do país - mais receptiva, portanto, ao entusiasmo pela inovação,
ao gosto pelo progresso, ao êxtase pela vida vibrante dos grandes aglomerados
urbanos, características que marcaram o Modernismo em várias partes do mundo e
que encontraram na "Paulicéia desvairada" seu reduto mais propício. O
próprio Oswald de Andrade assim resumiu essa questão do início do movimento:
"Se procurarmos a explicação do porquê o fenômeno modernista se processou
em São Paulo e não em qualquer outra cidade do Brasil, veremos que ele foi uma
conseqüência da nossa mentalidade industrial. São Paulo era de há muito batido
por todos os ventos da cultura. Não só a economia promovia os recursos, mas a indústria, com a sua
ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso, fazia com que a competição
invadisse todos os campos de atividade."
Uma atitude de contestação
A
Semana de Arte Moderna de 1922 foi, portanto, uma tomada de posição coletiva da
nova geração contra o culto do passado, os preconceitos artísticos e a
submissão a normas impostas pela tradição acadêmica.
Mais
que uma proposta teórica, esse movimento foi uma atitude de contestação, uma
declaração franca e ruidosa dos direitos dos artistas brasileiros, uma forma de
protestar contra a retórica parnasiana esterilizante (que, de resto, já estava
desacreditada), contra a obsessão pelo purismo lingüístico que tinha como
padrão as normas de Portugal. Foi uma reação agressiva contra o marasmo
sufocante das convenções que imperavam nas diversas artes - pintura, escultura,
música, literatura - e que acabou provocando uma união inédita entre os
artistas, encorajando cada um deles a ousar mais, a pensar de modo independente
e criativo, a libertar-se, enfim, da camisa-de-força que os preconceitos de um
tradicionalismo pomposo e estéril impunham á vida cultural brasileira.
Um
dos aspectos modernistas do texto é a distribuição espacial dos versos, que não
estão disposto conforme os esquemas tradicionais. Não há preocupação com as
rimas (que são ocasionais), mas sim com o ritmo, bem evidente na seqüência
"E o samba estronda / rebenta / retumba / ribomba". Nesses versos, a
sugestão do ritmo do samba é reforçada pelo uso da aliteração (efeito sonoro
provocado pela repetição de fonemas semelhantes numa palavra, num verso ou numa
frase), presente também nos últimos versos.
Samba, de Di Cavalcanti
Samba
Poente - fogueira
de São João.
E sob a cinza
noturna o sol é um tição quase apagado quase.
Mas a noite negra
espia de longe
por uma nesga
de nuvens e
galhos. E vem depressa e chega
correndo. Chega.
E ergue a lua redonda
e branca como um
pandeiro.
E o samba estronda
rebenta
retumba
ribomba.
E bamboleando em
ronda
dançam brandos
tontos e bambos
os pirilampos.
Guilherme de Almeida
Na
época, estava na moda ainda o poema parnasiano; mas a liberdade formal, a
linguagem simples e o tema de inspiração popular afastam esse poema de
Guilherme de Almeida da tradição parnasiana, que fazia questão dos rígidos
esquemas de rimas e estrofes e da linguagem rebuscada, cheia de palavras raras.
Relicário
No baile da Corte
Foi o Conde d'Eu que disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É come bebê pita e caí
Oswald de Andrade
O
poema-piada, como esse de Oswald, foi muito comum nos primeiros tempos do
Modernismo. Era um modo de provocar os tradicionalistas, debochando da
"seriedade" da poesia. Observe também a liberdade formal do texto -
ausência de pontuação e versos de diferentes medidas.
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispinéia, e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
– Diga trinta e três.
Mandou chamar o
médico:
– Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
– Respire.
(...)
– O senhor tem uma escavação no pulmão
[ esquerdo e o
pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o
[ pneumotórax?
–
Não. A única
coisa a fazer é tocar um
[
tango argentino.
Manuel Bandeira
Esse
é um dos poemas mais famosos do Modernismo. Por trás de uma aparente
brincadeira poética, revela-se o sofrimento pessoal de Manuel Bandeira – a
tuberculose que o castigou praticamente durante a vida toda. Pneumotórax é o
nome de um tratamento da tuberculose pulmonar por introdução de nitrogênio ou
ar na cavidade pleural.
Os
três primeiros versos são admiráveis como síntese de um drama existencial. E o
diálogo com o médico termina com um verso que tornou muito popular como forma
de expressão do irremediável, ao mesmo tempo amarga, irônica, bem humorada:
"A única coisa a fazer é tocar um tango argentino".
Nesse
poema, temos as conquistas principais do Modernismo: linguagem coloquial,
liberdade de construção e densidade poética.
Movimentos e tendências do Modernismo após a Semana
Terminada
a Semana, os modernistas preocuparam-se com:
§
a divulgação de suas idéias por meio de
revistas;
§
o aprofundamento de suas críticas, organizadas
por meio de discussões e propostos de movimentos culturais.
Principais revistas:
- Klaxon São Paulo 1922,1923
- Estética Rio de Janeiro 1924
- Terra roxa e outras terras São Paulo 1926
- A Revista Belo Horizonte 1925
- Verde Cataguases (MG) 1928
- Maracujá Fortaleza 1929
- Festa Rio de Janeiro 1927
A revista
Klaxon representou a primeira tentativa de organizar as idéias expressas pela
Semana de Arte Moderna. Procurou contrapor duas correntes: o Futurismo (ligado
à experimentação e à velocidade na linguagem) e o Positivismo (corrente mais
próxima ao Surrealismo e ao Expressionismo, na busca do inconsciente).
A revista Estética, em seus três
números de existência, trouxe farto material teórico, com a colaboração de
Graça Aranha, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e outros. A revista propôs a
diferenciação entre "arte interessada" e "arte autônoma" , pois, segundo
Mário de Andrade, "a obra de arte é antes de mais nada uma organização
fechada; em toda criação artística deve haver a intenção da obra de arte. Essa
intenção é que torna uma entidade valendo por si mesma, desrelacionada."
a revista Verde, a exemplo da Klaxon,
Festa, A Revista e outras, juntou-se ao eco da revolução estética ensejada
pelos modernistas, exorcizando a literatura tradicional e impondo-se como
periódico de importância literária, conquistando a adesão de Carlos Drummond de
Andrade, Murilo Mendes, Menotti del Picchia, Pedro Nava, Aníbal Machado e
outros.
A Anta e o Tamanduá: a luta ideológica
Simultaneamente à publicação de obras e à fundação de
revistas literárias, são lançados vários manifestos e movimentos, os quais,
além de divulgar as propostas modernistas, permitem a troca de experiências
entre seus participantes e até mesmo explicam ou justificam as obras dadas a
público, fomentando o debate de idéias.
Desses movimentos (ou grupos), destacam-se quatro, que
representam na verdade duas tendências estético-ideológicas: de uma lado o
movimento Pau-Brasil e Antropofagia, cujo símbolo era um tamanduá, liderados
por Oswald de Andrade; e, de outro, o Verde-Amarelismo e a Escola da Anta, cuja
símbolo era a anta, liderados por Plínio Salgado.
Movimento Pau-Brasil
Liderado
por Oswald de Andrade, cujo manifesto foi publicado em 1924 no jornal Carreio
da Manhã, propunha a redescoberta do Brasil por intermédio de uma arte voltada
para as características do país. Apregoava liberdade, o verso livre, os
neologismos. Seu manifesto sugeria "ver com olhos livres".
No
manifesto e na poesia Pau-Brasil, Oswald propôs, por outro lado, o primitivismo
psicológico, a valorização de estados brutos da alma coletiva; por outro, deu
ênfase à simplificação e à depuração formais que captam a originalidade nativa.
Foram
propostas do movimento:
·
paródia; caçoada
·
redescobrir o Brasil pós-cabralino
·
busca do primitivismo
·
crítica ao nacionalismo postiço
Verde-Amarelismo
Corrente nacionalista radical,
reage contra o movimento Pau-Brasil, propondo que se abandonem as idéias
européias, na busca da verdadeira nacionalidade brasileira. Identificada com o
Integralismo, esta corrente propôs uma visão ufanista da realidade brasileira,
valorizando tradições indígenas, folclóricas, na tentativa de criar um
sentimento nacionalista forte, nos moldes do nazifascismo europeu.
Participaram
desse movimento: Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Raul
Bopp e outros.
O
Verde-Amarelismo (1924) subdividiu-se em vários grupos: Movimento da Anta
(1927), Movimento da Bandeira (1936) e outros.
Movimento Antropofágico
Teve suas
idéias expressas na Revista de Antropofagia. Surgiu como reação ao
movimento verde-amarelista e foi liderada por Oswald de Andrade.m seu Manifesto
Antropofágico, propunha que "só a antropofagia nos une", no sentido
de que as culturas estrangeiras fossem devoradas e recriadas segundo nossas
tradições e costumes. "Tupi or not tupi, that is the question" seria
o grande dilema da realidade brasileira.
Considera-se
como origem do movimento antropofágico a tela de Tarsila do Amaral, de janeiro
de 1928, por ocasião do aniversário de seu marido Oswald de Andrade. A tela
recebeu o nome Abaporu.
Tarsila
do Amaral, num artigo publicado no Diário de S. Paulo de 28 de março de 1943,
refere-se á sua tela assim:
Aquela figura monstruosa, de pés enormes plantado no
chão brasileiro ao lado de um cacto, sugeriu a Oswald de Andrade a idéia de
terra, de homem nativo, selvagem, antropofágico...