Modernismo Brasileiro – Semana de Arte Moderna de 1922

Contexto
Histórico
Estatísticas
mostram que, em 1920, cerca de 70% da população economicamente ativa
dedicava-se à agricultura. Entretanto, o processo de urbanização crescia
implacavelmente. O Estado de São Paulo liderava o assentamento das correntes
migratórias, que no campo, onde o governo dava passagens e alojamento para
estrangeiros que se dispusessem a trabalhar sobretudo na agricultura cafeeira,
que nas cidades, onde a mão-de-obra especializada na indústria e no artesanato encontrava
acolhida. A cidade de São Paulo era sede dos maiores bancos, concentrava a
maior parte da máquina burocrática , além de ser um núcleo de produtos
importados, que chegavam pelo porto de Santos. Os imigrantes ocupavam as duas
pontas do processo industrial, como empresários e como operários.
As
oligarquias, centradas sobretudo nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e
Minas Gerais, defendiam os interesses da elite cafeeira. Os mineiros eram
maioria na Câmara dos Deputados, influenciando e decidindo a distribuição de
cargos federais e a aprovação de projetos. Os gaúchos possuíam a maior força
militar do país e ressentiam-se da inflação que abalava o mercado do seu
principal produto: o charque (carne seca), consumido em especial no Nordeste e
no Rio de Janeiro.
No
Nordeste, os coronéis, com exércitos contratados, criaram verdadeiros feudos,
em que o poder imposto pela força bruta imperava esmagando quem discordasse de
seus desígnios.
A
política oligárquica de valorização da moeda para conter a queda de preço do
café, dentre outros motivos, contribui para
a carestia – o aumento de preços sem que o devido repasse fosse feito
para os salários. O país contraiu empréstimos no Exterior que foram se
avolumando a ponto de, em 1928, terem chegado a cerca de 45% do total da dívida
da América Latina.
A
influência da classe média urbana na política nacional ficou mais intensa após
a Primeira Guerra Mundial, e um aspiração liberal começou a difundir-se contra
as oligarquias, pleiteando a criação de uma justiça eleitoral que garantisse a
honestidade nas eleições, já que todo tipo de fraudes eleitorais eram
praticadas.
As
instabilidades decorrentes da guerra, somadas aos problemas internos
brasileiros e à Revolução Russa de 1917, motivaram uma grande insatisfação
entre os trabalhadores, cada vez mais organizados em sindicatos, gerando um
ciclo de greves entre 1917 e 1920. Em março de 1922, foi fundado o Partido
Comunista do Brasil (PCB), cujos membros eram predominantemente da classe
operária.
Paralelamente,
crescia a insatisfação militar: oficiais de nível médio, em especial tenentes,
mostravam-se contrários às oligarquias e ao liberalismo e propunham
centralização do poder. Vários estados do país apoiaram o movimento. No Rio de
Janeiro, eclodiu a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922; em São Paulo,
ocorreu a Revolta de 1924, cujo objetivo maior era destituir o governo de Artur
Bernardes.
Meses
depois, no Rio Grande do Sul, liderados pelo capitão Luís Carlos Prestes, os
gaúchos empreendem vários combates e deslocaram-se em direção a São Paulo para
se juntarem aos tenentes paulistas. Em 1925, os revoltosos formaram a chamada
Coluna Prestes a fim de instigar todo o país contra as oligarquias. Mais de mil
homens percorreram a pé 24 mil km, dando esperança de reformas sociais e
políticas.
Em meio a esse quadro de
tensões, a moda, os perfumes, o champanha, os hábitos extravagantes da belle époque eram tardiamente cultivados
pela burguesia brasileira do pós-guerra, que se mantinha sobretudo à custa da
industrialização crescente, dos benefícios governamentais à cultura cafeeira
e/ou dos ganhos irreais nas bolsas de valores.
Notadamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, a idéia de
que tudo o que era francês era chique e refinado dominava os sonhos de consumo
e de cultura da burguesia — o domínio da língua francesa permitia a essa classe
social o acesso aos grandes nomes do Parnasianismo francês, lidos em recitais,
em bares e festas; expressões e citações eram correntes, e denotavam
refinamento.
Foi nesse ambiente de euforia que se desenvolveu, em São
Paulo, a Semana de Arte Moderna de 1922 — o evento considerado marco do
Modernismo brasileiro.
Fatos precursores da Semana de Arte Moderna de 1922
Muitos fatores concorreram para a realização da Semana de
Arte Moderna de 1922. Dentre os inúmeros acontecimentos, destacam-se:
1911 – Oswald de Andrade, cidadão da alta
burguesia paulista, funda a revista O
Pirralho,
cujo objetivo essencial era questionar a arte
brasileira. Irreverentes composições como as de Juó Bananére – pseudônimo de
Alexandre Marcondes Salgado - , satirizaram textos consagrados da literatura
brasileira.
1912 – Regressando da Europa, Oswald de Andrade
foi o primeiro artista a importar o Futurismo. Em Paris, conheceu o manifesto
de Marinetti, que pregava o apego à civilização técnica e o combate ao
academicismo.
1913 – O pintor expressionista Lasar Segall
(artista russo radicado no Brasil) protagoniza a primeira exposição considerada
modernista no Brasil, provocando a mentalidade conservadora da burguesia
paulista com quadros que retratavam imagens distorcidas.
1917 – Nesse ano, Oswald de Andrade conhece Mário
de Andrade e ambos tornam-se amigos. São publicadas várias obras que
apresentavam inovações na linguagem e na temática, dentre elas: Juca Mulato, de
Menotti del Picchia; Cinza da Horas, de Manuel Bandeira; Nós, de Guilherme de
Almeida; Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, de Mário de Andrade obra que tem
como tema a Primeira Guerra Mundial.
Anita
Malfatti retorna ao Brasil, após quatro anos de estudos na Alemanha e nos
Etados Unidos, e faz uma exposição de suas pinturas de influência
expressionistas e cubistas no salão de chá da loja Mappin, em São Paulo. No
primeiro dia, a artista obteve relativo sucesso, conseguindo, inclusive, reservas
de quadros, canceladas nos segundo dia, quando Monteiro Lobato, então crítico
de arte do jornal O Estado de S. Paulo, publica o artigo “Paranóia ou
Mistificação”, no qual denigre o trabalho de Anita. Oswald de Andrade defende
Anita e Mário de Andrade faz um poema ainda de formas parnasianas para
homenageá-la. Leia um trecho do artigo de Lobato:
Há duas
espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em
conseqüência fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotando
para a concretização das emoções estéticas os processos clássicos dos grandes
mestres. [...] A outra espécie é formada dos que interpretam à luz de teorias
efêmeras, sob a sugestão estrábica excessiva. São produtos do cansaço e do
sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação,
bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes brilham um instante, as mais das
vezes com luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas doe esquecimento. Embora
eles se dêem como novos, precursores duma arte a vir, nada é mais velha do que
a arte anormal ou teratológica: nasceu com paranóia e com a mistificação. [...]
1919 – Oswald
de Andrade, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia e Hélio Seelinger conhecem
Víctor Brecheret — o escultor adere ao grupo dos que articulariam a Semana de
Arte Moderna. No mesmo ano, Brecheret vai a Paris, onde expõe no Salon
d’Automne. Monteiro Lobato aprecia seu trabalho.
1920 – A imprensa começa a publicar artigos que
atacavam o academicismo e o passadismo, especialmente graças às participações
ativas de Oswald, Menotti del Picchia, Cândido Mota Filho, Agenor Barata e
Mário de Andrade.
1921 – Mário de Andrade, Oswald de Andrade e
Armando Pamplona vão ao Rio de Janeiro buscar apoio para o movimento
modernista. Conseguem as adesões de Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho,
Ribeiro Couto, Álvaro Moreira, Renato de Almeida, Villa-Lobos e de Sérgio
Buarque de Holanda.
Nesse
mesmo ano, Mário de Andrade publicou sete artigos, sob o título “Mestres do
Passado”, no Jornal do Comércio, nos quais atacava os escritores parnasianos
Francisca Júlia, Raimundo Correa, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de
Carvalho. Leia o fragmento final do último artigo:
[...] Malditos para sempre os Mestres do
Passado! Que a simples recordação de um de vós escravize os espíritos no amor
incondicional pela Forma! Que um olhar passeando por acaso nos vossos livros se
cegue à procura de um verso de ouro! Que uma flor tombada de uma mãos infantis
sobre vosso túmulo rebente em silvas de tais espinhos que nelas se fira e
sucumba a ascensão dessa infância! Que o Brasil seja infeliz porque vos criou!
Que a Terra vá bater na Lua arrastada pelo peso dos vossos ossos! Que o
Universo se desmantele porque vos comportou!
E que não fique nada! nada! nada!
Em
1921 Graça Aranha retorna da Europa e participa dos movimentos culturais
paulistanos. Villa-Lobos é convidado a participar de um evento em São Paulo
para a divulgação das idéias modernistas. O maestro gostou do projeto, mas
alegou não ter dinheiro para viajar. Foi através do patrocínio de Paulo Prado —
rico intelectual paulista, herdeiro de fazendas de café — que Villa-Lobos pôde
contratar os melhores instrumentistas e vir para São Paulo.
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