quarta-feira, 30 de julho de 2014

Modernismo Brasileiro – Semana de Arte Moderna de 1922


Contexto Histórico

            Estatísticas mostram que, em 1920, cerca de 70% da população economicamente ativa dedicava-se à agricultura. Entretanto, o processo de urbanização crescia implacavelmente. O Estado de São Paulo liderava o assentamento das correntes migratórias, que no campo, onde o governo dava passagens e alojamento para estrangeiros que se dispusessem a trabalhar sobretudo na agricultura cafeeira, que nas cidades, onde a mão-de-obra especializada na indústria e no artesanato encontrava acolhida. A cidade de São Paulo era sede dos maiores bancos, concentrava a maior parte da máquina burocrática , além de ser um núcleo de produtos importados, que chegavam pelo porto de Santos. Os imigrantes ocupavam as duas pontas do processo industrial, como empresários e como operários.
            As oligarquias, centradas sobretudo nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, defendiam os interesses da elite cafeeira. Os mineiros eram maioria na Câmara dos Deputados, influenciando e decidindo a distribuição de cargos federais e a aprovação de projetos. Os gaúchos possuíam a maior força militar do país e ressentiam-se da inflação que abalava o mercado do seu principal produto: o charque (carne seca), consumido em especial no Nordeste e no Rio de Janeiro.
            No Nordeste, os coronéis, com exércitos contratados, criaram verdadeiros feudos, em que o poder imposto pela força bruta imperava esmagando quem discordasse de seus desígnios.
            A política oligárquica de valorização da moeda para conter a queda de preço do café, dentre outros motivos, contribui para  a carestia – o aumento de preços sem que o devido repasse fosse feito para os salários. O país contraiu empréstimos no Exterior que foram se avolumando a ponto de, em 1928, terem chegado a cerca de 45% do total da dívida da América Latina.
            A influência da classe média urbana na política nacional ficou mais intensa após a Primeira Guerra Mundial, e um aspiração liberal começou a difundir-se contra as oligarquias, pleiteando a criação de uma justiça eleitoral que garantisse a honestidade nas eleições, já que todo tipo de fraudes eleitorais eram praticadas.
            As instabilidades decorrentes da guerra, somadas aos problemas internos brasileiros e à Revolução Russa de 1917, motivaram uma grande insatisfação entre os trabalhadores, cada vez mais organizados em sindicatos, gerando um ciclo de greves entre 1917 e 1920. Em março de 1922, foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), cujos membros eram predominantemente da classe operária.
            Paralelamente, crescia a insatisfação militar: oficiais de nível médio, em especial tenentes, mostravam-se contrários às oligarquias e ao liberalismo e propunham centralização do poder. Vários estados do país apoiaram o movimento. No Rio de Janeiro, eclodiu a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922; em São Paulo, ocorreu a Revolta de 1924, cujo objetivo maior era destituir o governo de Artur Bernardes.
            Meses depois, no Rio Grande do Sul, liderados pelo capitão Luís Carlos Prestes, os gaúchos empreendem vários combates e deslocaram-se em direção a São Paulo para se juntarem aos tenentes paulistas. Em 1925, os revoltosos formaram a chamada Coluna Prestes a fim de instigar todo o país contra as oligarquias. Mais de mil homens percorreram a pé 24 mil km, dando esperança de reformas sociais e políticas.
Em meio a esse quadro de tensões, a moda, os perfumes, o champanha, os hábitos extravagantes da belle époque eram tardiamente cultivados pela burguesia brasileira do pós-guerra, que se mantinha sobretudo à custa da industrialização crescente, dos benefícios governamentais à cultura cafeeira e/ou dos ganhos irreais nas bolsas de valores.
            Notadamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, a idéia de que tudo o que era francês era chique e refinado dominava os sonhos de consumo e de cultura da burguesia — o domínio da língua francesa permitia a essa classe social o acesso aos grandes nomes do Parnasianismo francês, lidos em recitais, em bares e festas; expressões e citações eram correntes, e denotavam refinamento.
            Foi nesse ambiente de euforia que se desenvolveu, em São Paulo, a Semana de Arte Moderna de 1922 — o evento considerado marco do Modernismo brasileiro.


Fatos precursores da Semana de Arte Moderna de 1922

            Muitos fatores concorreram para a realização da Semana de Arte Moderna de 1922. Dentre os inúmeros acontecimentos, destacam-se:

     1911 – Oswald de Andrade, cidadão da alta burguesia paulista, funda a revista O Pirralho,
cujo objetivo essencial era questionar a arte brasileira. Irreverentes composições como as de Juó Bananére – pseudônimo de Alexandre Marcondes Salgado - , satirizaram textos consagrados da literatura brasileira.

     1912 – Regressando da Europa, Oswald de Andrade foi o primeiro artista a importar o Futurismo. Em Paris, conheceu o manifesto de Marinetti, que pregava o apego à civilização técnica e o combate ao academicismo.
     1913 – O pintor expressionista Lasar Segall (artista russo radicado no Brasil) protagoniza a primeira exposição considerada modernista no Brasil, provocando a mentalidade conservadora da burguesia paulista com quadros que retratavam imagens distorcidas.
     1917 – Nesse ano, Oswald de Andrade conhece Mário de Andrade e ambos tornam-se amigos. São publicadas várias obras que apresentavam inovações na linguagem e na temática, dentre elas: Juca Mulato, de Menotti del Picchia; Cinza da Horas, de Manuel Bandeira; Nós, de Guilherme de Almeida; Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, de Mário de Andrade obra que tem como tema a Primeira Guerra Mundial.

            Anita Malfatti retorna ao Brasil, após quatro anos de estudos na Alemanha e nos Etados Unidos, e faz uma exposição de suas pinturas de influência expressionistas e cubistas no salão de chá da loja Mappin, em São Paulo. No primeiro dia, a artista obteve relativo sucesso, conseguindo, inclusive, reservas de quadros, canceladas nos segundo dia, quando Monteiro Lobato, então crítico de arte do jornal O Estado de S. Paulo, publica o artigo “Paranóia ou Mistificação”, no qual denigre o trabalho de Anita. Oswald de Andrade defende Anita e Mário de Andrade faz um poema ainda de formas parnasianas para homenageá-la. Leia um trecho do artigo de Lobato:

                       Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em conseqüência fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotando para a concretização das emoções estéticas os processos clássicos dos grandes mestres. [...] A outra espécie é formada dos que interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes brilham um instante, as mais das vezes com luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas doe esquecimento. Embora eles se dêem como novos, precursores duma arte a vir, nada é mais velha do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com paranóia e com a mistificação. [...]


     1919Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia e Hélio Seelinger conhecem Víctor Brecheret — o escultor adere ao grupo dos que articulariam a Semana de Arte Moderna. No mesmo ano, Brecheret vai a Paris, onde expõe no Salon d’Automne. Monteiro Lobato aprecia seu trabalho.
     1920 – A imprensa começa a publicar artigos que atacavam o academicismo e o passadismo, especialmente graças às participações ativas de Oswald, Menotti del Picchia, Cândido Mota Filho, Agenor Barata e Mário de Andrade.
     1921 – Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Armando Pamplona vão ao Rio de Janeiro buscar apoio para o movimento modernista. Conseguem as adesões de Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto, Álvaro Moreira, Renato de Almeida, Villa-Lobos e de Sérgio Buarque de Holanda.
            Nesse mesmo ano, Mário de Andrade publicou sete artigos, sob o título “Mestres do Passado”, no Jornal do Comércio, nos quais atacava os escritores parnasianos Francisca Júlia, Raimundo Correa, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho. Leia o fragmento final do último artigo:

      [...] Malditos para sempre os Mestres do Passado! Que a simples recordação de um de vós escravize os espíritos no amor incondicional pela Forma! Que um olhar passeando por acaso nos vossos livros se cegue à procura de um verso de ouro! Que uma flor tombada de uma mãos infantis sobre vosso túmulo rebente em silvas de tais espinhos que nelas se fira e sucumba a ascensão dessa infância! Que o Brasil seja infeliz porque vos criou! Que a Terra vá bater na Lua arrastada pelo peso dos vossos ossos! Que o Universo se desmantele porque vos comportou!
      E que não fique nada! nada! nada!

            Em 1921 Graça Aranha retorna da Europa e participa dos movimentos culturais paulistanos. Villa-Lobos é convidado a participar de um evento em São Paulo para a divulgação das idéias modernistas. O maestro gostou do projeto, mas alegou não ter dinheiro para viajar. Foi através do patrocínio de Paulo Prado — rico intelectual paulista, herdeiro de fazendas de café — que Villa-Lobos pôde contratar os melhores instrumentistas e vir para São Paulo.



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